Nossas memórias digitalizadas

O projeto MyLifeBits

Image by brewbooks via Flickr
Encontramos várias definições para o termo memória. A mais simplória: é o nosso mecanismo de guardar e preservar lembranças. Para uma definição mais articulada pede-se ajuda aos estudiosos. Vamos lá! Memória é a base do conhecimento, devendo portanto ser trabalhada e estimulada, já que é através dela que damos significado ao cotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida. Voltando ao conhecimento comum, sabe-se que a memória deteriora com a idade. O grande vilão nos dias atuais e o terror de todos é o


mal de Alzheimer, que é a perda gradual da memória, um suplício para quem convive com um portador da doença.

Existe um projeto em andamento que surgiu com a intenção e a promessa de resguardar as lembranças com o máximo de fidelidade, usando de todos os dispositivos tecnológicos disponíveis, o projeto MyLifeBits. O projeto idealizado por Gordon Bell, pesquisador da Microsoft Research, é um software que integrará diversas interfaces. Começa com um servidor que possa suportar a captura, o armazenamento e a manipulação de mídias pessoais: TV, rádio, coleções de música pessoal e vídeos caseiros e otimizá-los para a Web, já que a idéia inclui a disponibilização dessas memórias pessoais on-line. O dono das memórias, ou familiares, decidiriam quem teria acesso às informações.

Resumidamente o projeto será uma verdadeira operação de processamento de dados pessoais para tudo. Mas de que dados estamos falando? Do máximo de informações que alguém pode guardar de si mesmo, com o auxílio da tecnologia. Seria um diário digital, onde a pessoa registraria cada momento da vida, guardando a mais ínfima lembrança. A clássica foto do bebé peladão, o sorriso banguela, o dedão enfiado no nariz fora de hora e todas as demais gracinhas e eventos importantes ou nem tanto que os pais corujas gravam de seus pimpolhos. Para garantir a posteridade de uma vida é preciso seguir registrando cada momento: faculdade e vida profissional, segredos escondidos, impressões e testemunho de fatos vividos e ou presenciados, sentimentos resguardados e até recalcados.

Gordon Bell e Jim Gemmel, outro pesquisador, colega de Bell na Microsoft e parceiro no projeto MyLifeBits, acreditam que as máquinas serão bem mais eficientes que a memória humana. Quanto a capacidade de armazenamento da máquina não há o que discutir. O desafio, no caso, vai muito além, pois desenvolver uma aplicação dinâmica e de fácil manipulação que incentive as pessoas a usá-la vai ser uma olimpíada de neurônios. Mas o desafio não fica por aí. Há ainda a manipulação inteligente de um banco de dados descomunal, e é aqui que a máquina vai precisar mostrar sua melhor performance.

Para já Bell vem fazendo isso com sua própria vida. Artigos, livros, correspondência (cartas e e-mail), CDs, memorandos, documentos, fotos, imagens, apresentações, filmes caseiros, palestras e gravações de voz, já foram cuidadosamente digitalizados e armazenados, acrescente-se o registro diário de cada fato, importante ou não, que ele vivencia ou presencia que pode ser, (estamos falando hipoteticamente), desde o bigode mal aparado de algum colega observado durante a reunião, passando pela percepção distraída dos quilinhos a mais da secretária e a primeira palavra do netinho até as notícias da bolsa de valores e, acessório imprescindível, uma câmera com sensor de luz e presença, (permanentemente pendurada no pescoço). A idéia é que o material faça jus à personalidade da pessoa. Bell e Jim Gemmel decidiram contar ao mundo a sua idéia no livro Total Recall: How the E-Memory Revolution Will Change Everything (Memória Total: Como a Revolução da Memória Digital Vai Mudar Tudo).

Se para os dois pesquisadores a idéia da preservação da memória para a posteridade é entusiasta para outros pode não ser tão agradável como mostra o professor de Harvard, Viktor Mayer-Schönberger, no livro Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age (Delete: A Virtude de Esquecer na Era Digital). Para o professor a idéia de ter nossos escritos, refletindo idéias, impressões e pensamentos anos a fio disponibilizados na internet, pode ser assustadora. “A memória digital faz que você seja observado por todos. Agora e eternamente você será confrontado com o que fez online. Ao contrário do nosso cérebro, as máquinas não sabem pesar o que deve ou não ser deixado pra lá” lembra ele, defendendo a idéia da informação com prazo de validade, procedimento que, para ele, deve ser incorporado ao software. Desta forma cada informação, que colocássemos na internet, teria uma data de validação pré-programada, que quando atingida seria automaticamente eliminada, o revés da idéia de MyLifeBits.

Em se tratando de internet e informação, duas armas de vários gumes, a humanidade tem experiência suficiente para saber que a precaução é sábia e segura. A antecipação do diálogo com base em recursos que ainda irão ser disponibilizados mostra que não estamos tão despreparados para esse futuro que se avizinha; por outro lado temos um passado bem recente que nos condena. Vinte e seis anos de vida cibernética foi tempo suficiente para conhecermos o lado obscuro dessa tecnologia. A maioria são abusos e crimes que se cometem com informações ingenuamente postadas à disposição de predadores cibernéticos protegidos pelo anonimato virtual. Vidas enlameadas por um passado exposto em imagens comprometedoras jogadas no ciber espaço.

É realmente mais do que evidente que em termos de Internet e informação existe um descontrole que beira a desordem. Não há códigos nem senhas que barrem a bandidagem, assim como não se conhece os limites da manipulação indecorosa no espaço virtual. A dinâmica da tecnologia exige o pensar e agir com urgência na criação de mecanismos rigorosos, assim como e pelo menos, leis específicas de proteção à privacidade de cada um, já que estamos falando de um espaço democrático que é de todos e não é de ninguém. É preciso criar programas objetivos que orientem a população no uso responsável da internet, mostrando que por trás de cada tela de computador há um mundo pulsante de vida, locais/sites para lá de interessantes para conhecer, aprender e se divertir e outros que não passam de um lixão cibernético, assim como vítimas e predadores. Em nada diferente do nosso dia a dia.

É tempo de acordar para a realidade e perceber que ultrapassamos o que se chamou de a nova era. Vivemos em tempos de Matrix um admirável mundo cibernético e paradoxal, pulsante de vida, que poucos conseguem perceber e onde a grande maioria passa o tempo por conta da idéia deturpada de que é tudo fantasia.

Total Recall, sem edição no Brasil 

Fontes:
> Uol "Uma vida digital"> Blog do Estadão "Todos os detalhes de nossas vidas arquivados"> Site do projeto MyLifeBits
O lado negro da Internet (alguns casos):
> Morte de João Hélio causa guerra na internet
> Jovem vence processo na China após sofrer assédio via internet
> Internet: palco para pedófilos e racistas
> comportamento: sexting
> "A reputação na velocidade do pensamento"

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