Qual o tamanho do seu mundo?

Entendo que solidariedade é enxergar no próximo as lágrimas nunca choradas e as angústias nunca verbalizadas

princess_peaDo alto da cruz, Jesus falou à sua mãe: “Mulher, este é o teu filho”, e disse depois ao discípulo João, que a amparava em sua dor: “Esta é a tua mãe." (João 19, 23-27)

Com estas palavras simbólicas, Jesus não quis referir-se a sua mãe especificamente, a mensagem é maior, grandiosa, como todas as suas mensagens, porque o seu mundo era o Universo. Jesus falou a toda a humanidade, que não temos que olhar só pelos nossos, preocupar-nos com o nosso meinho, e muito menos, o nosso umbigo, é preciso estender o olhar, o braço, a mão, tocar o outro, ampará-lo. É preciso abraçar o mundo!

Creio que assim como outras características da personalidade, certos indivíduos nascem já com uma centelha de amor universal. Não canso de expressar minha admiração por estas pessoas, que encontram a felicidade na difícil tarefa, pelo menos para mim, de assistir, das mais diversas formas, o próximo.

Ao longo da minha vida tive a oportunidade de conhecer algumas destas pessoas, que se comprazem em compartilhar com o seu semelhante o que têm, o que podem e até mesmo o que falta para elas mesmas. Se há algo que se aprende, logo de caras, no simples ato de dar atenção a uma pessoa carente, seja qual for a necessidade, é que a doação não é impar, não existe um doador nem um receptor, mas uma troca. Um e outro recebem e dão muito.

Criam-se laços de amizade, um suporte emocional de um e outro lado, já que ambos trocam confidências, descobrindo-se iguais nesse caminhar pela vida. Há um equilibrar de forças que não podem ser medidas, pois se muitas vezes há um físico debilitado, o emocional aflora, engrandece. Um e outro se apóiam, não porque há sentimentos de compaixão, mas porque há humanidade, identificação, não pelas circunstâncias, mas sim pela essência e a leveza do ser.

No entanto não há necessidade de se deslocar a lugar nenhum para prestar assistência a alguém. Perto de nós, bem perto mesmo, pode estar se desenrolando o maior drama na pessoa de um parente, às vezes de um irmão, um pai, ou um amigo, vizinho, colega...

Nem todo o mundo acha correto encher os ouvidos do outro com suas inquietações. Há aquela sensação de invasão à paz alheia. Mas assim como sentimos a áurea da alegria, a tristeza também nos toca, de leve, ou afrontosamente. Claro que tem quem prefere fugir dela, como o diabo da cruz. Será que fingir que não vê, não ouve, não sabe nos deixará felizes? Que tal, apenas experimentar, dar um pouco de atenção a alguém? Acredite, o outro ficará agradecido e aliviado com sua sensibilidade. Sentir que alguém se importa com você, suaviza o peso do fardo.

Mas tem o oposto, pessoas que vivem até inventando dramas como forma de requisitar a atenção alheia. Pior é que se antes já era desagradável topar com este tipo de gente pessoalmente, também as encontramos agora na internet, onde há espaço e publico a quem expor as dores das hemorróidas em infindáveis, cansativas e humilhantes querelas. Isto mostra que há pessoas sem noção do que é viver uma situação de sofrimento genuíno, e com isso não têm qualquer parâmetro, acreditando que padecem no inferno com sua flatulência incômoda.

Uma conhecida que também já se deparou com esses tipos em redes sociais, expressou sua irritação “Eu queria saber em que mundo essas pessoas vivem. Parece que para elas só as suas dores de barriga são verdadeiras, tudo o mais é fantasia.” O triste é que não há como se fazer de ignorante ou inocente, não há como fugir aos noticiários, às manchetes. Fome, guerras, doenças, violência monstruosa, bárbara e insana, que acontece cada vez mais perto, não é o suficiente para as pessoas pararem com suas sangrias dramáticas e enfadonhas.

Alina tem um guarda-roupa invejável. Uma coleção de sapatos, roupas, bolsas, que, por si, dariam para montar uma loja, tanto assim que o armário monstruoso do quarto que ocupa não é suficiente, precisando usar também o armário igualmente grande do quarto de hóspedes. Um dia, a sogra, que ia receber visitas, pediu se ela poderia esvaziar, pelo menos uma parte do armário. Alina ficou contrariada, sem saber o que faria com as roupas. A contrariedade, dentro de sua cabeça, virou ofensa. Num rompante, falou zangada para o companheiro que iria para a casa da mãe, porque lá pelo menos “tinha um armário para suas roupas”. E lá se foi amuada!

A primeira reação para quem escuta, é a indignação, mas, em pouco tempo de reflexão, perceberemos algo, até elementar. O ser humano comum só consegue tocar-se com o sofrimento alheio, quando o presencia, ou tem alguma experiência de sofrimento. Alina, como muita gente por esse mundo afora, é uma privilegiada. Ela não sabe o que é sofrer. Sua vida tem sido uma sucessão de sorrisos. Ela até escuta falar de mil tristezas acontecendo em alguns locais do planeta, mas são histórias tão distantes de seu universo, que ela mal consegue perceber tal realidade. Fato é que naquele momento ela tinha um problemão enorme: onde diabos iria colocar suas preciosas roupas?

A verdade é que todos nós temos nossos momentos Alina. Claro que tem gente que logo sacode a cabeça e pensa “Qual é, cara, com tanta coisa acontecendo nesse mundão de Deus e você fica esquentando com porcaria?” Alina é uma boa pessoa, com muito chão pela frente para aprender a olhar além, para alargar seu mundo, e quem sabe, entender a beleza, a felicidade íntima de se sentir útil ao próximo.

Não se trata de deixar de apreciar a vida em solidariedade às dores do mundo. Nada disso! O alerta é para os exageros, a mania de transformar qualquer dor de cabeça, querelas pessoais ou frescurices esdrúxulas de princesa, em tragédias. Isto para não falar dos oportunistas e suas lágrimas de ketchup que usam até os filhos para inventarem histórias da carochinha, balelas de caso pensado, para tirar qualquer vantagem e roubar o tempo de gente de boa fé. Há links que parecem manchetes de jornais, o bom samaritano clica, crente que alguém está vivendo o inferno, e se depara com um ego patológico, um cidadão com tempo para transformar as contrariedades nossas do dia a dia em um dramalhão mexicano. É para tirar do sério, levar santo para maus caminhos.

Quer falar de mazela, faça humor, aprenda a rir de si mesmo e leve o riso ao internauta, procure lembrar que naquele exato momento, muitas pessoas no mundo estão vivendo toda a sorte de dramas e contrariedades genuínas. Para isso, não precisa ter veia artística, treine e se inspire nos humoristas que usam cenas comuns do cotidiano e fazem o país inteiro rir de si mesmos.

Para finalizar, deixo aqui um trecho de uma entrevista com o psicólogo Jorge Alberto Costa e Silvahumor é eros, é vida que se opõe à morte. A vida é isso, a luta do dinâmico contra o estático, e o humor faz parte desse lado dinâmico. Ele vem de quem o elabora e continua em quem o recebe. Nessa relação há o dinamismo que caracteriza a vida, enquanto a morte é o fim, o drama, a tragédia. Por isso eu acho também importante o tragicômico, fazer do trágico o cômico, até para poder suportar a tragédia.

Ilustraçãoa princesa e a ervilha (conto de Hans Christian Andersen)
Leia o texto:
Mazelas
Texto original da entrevista do psicólogo Jorge Alberto Costa e Silva
Mania de Sofrer (Novo livro de Bel Cesar)

Comentários

  1. Muito bom o blog. Super interessante. Parabéns! valeu mesmo...

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  2. Olá muito maneiro seu blog super organizado com ótimo conteúdo gostaria de parabenizar pelo ótimo trabalho voltarei mais vezes no seu encantador blog que Deus esteja sempre contigo
    Desejo muito sucesso

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